A quarentena adotada em grande parte do Brasil em razão da pandemia da Covid-19 forçou empresas de diferentes segmentos a mandarem seus funcionários para casa, onde eles passaram a trabalhar no regime de home office. E agora, vendo que deu certo, elas decidiram manter esse esquema total ou parcialmente mesmo com a perspectiva do fim do período de isolamento.
Essa migração na rotina de trabalho será adotada por multinacionais como a Ambev, Johnson & Johnson, LafargeHolcim, do setor de materiais de construção, e de forma ampla por empresas da área de TI, caso da Topdesk.
Cada uma terá sua própria estratégia, mas, de forma geral, a ideia será permitir o home office na maior parte do tempo para trabalhadores de departamentos administrativos, como jurídico, financeiro, RH e comunicação, entre outros. O trabalho presencial ocorrerá em alguns dias por semana, com o foco em reuniões e interação para melhorar o entrosamento dos times.
Segundo Tiago Krommendijk, diretor de operações da Topdesk no Brasil, a empresa passou a repensar o paradigma de que para obter sucesso era necessário que os colaboradores estivessem juntos presencialmente todos os dias. Desde 13 de março em trabalho remoto, a empresa tirou do papel 15 projetos, mais do que no ano passado, quando o home office ainda era esporádico. A área de atendimento reduziu em 45% o tempo de espera de chamados.
O diretor credita essa melhora à redução dos tempos de deslocamentos, que consomem horas do dia e energia em uma cidade como São Paulo. E também ao maior foco do trabalho em casa.
A adaptação exigiu uma adaptação rápida. Foram providenciados computadores para parte dos 60 funcionários que não trabalhavam com notebooks, além de chips de telefone e nova conexão de internet, em alguns casos. Além disso, uma van foi alugada para levar cadeiras aos colaboradores para evitar que eles tivessem que trabalhar de forma improvisada usando os móveis de casa.
Segundo Krommendijk, a expectativa no retorno é que os colaboradores possam ter mais liberdade ao decidir onde irão trabalhar, mas comparecendo alguns dias ao escritório.
“Ainda achamos a interação importante. Por mais que as pessoas estejam sendo produtivas, elas sentem falta de interagir, a empresa é uma grande família. Mas eles também vêm valor na produtividade. Então, faz sentido as pessoas poderem trabalhar juntas se for para um brainstorming (reunião de ideias), por exemplo, para fazerem um almoço divertido. Se for um trabalho que exige foco, ficar em casa, em vez de em um ambiente barulhento, poderá ser mais produtivo”, afirma. “Esse vínculo é importante para ter a confiança de trabalhar à distância com o resto da equipe”, conclui.
Em algumas empresas, o teletrabalho já vinha se expandindo e a quarentena acelerou o processo. É o caso da LafargeHolcim, multinacional suíça que fabrica materiais de construção, onde os funcionários da área administrativa já passavam um ou dois dias por semana em casa. Agora, a expectativa é que eles fiquem pelo menos três, segundo a diretora de recursos humanos, Juliana Andrigueto.
Em uma das sedes da empresa, a do Rio de Janeiro, as mudanças serão mais radicais. A empresa vai entregar o escritório, e os 150 funcionários passarão a trabalhar em casa. A medida vai gerar uma economia de R$ 2 milhões anuais com aluguel. Os outros dois escritórios no Brasil, em Minas e São Paulo, serão mantidos. “Tomamos essas decisões porque vimos que o home office estava funcionando bem”, afirma Andrigueto.
Segundo a diretora de RH, no “novo normal” os escritórios terão uma nova cara, com um layout para facilitar as interações e reuniões. “Vai ser menos o conceito de ‘eu tenho a minha baia de trabalho’ e mais o conceito de sentar onde quiser”, afirma.
Nesse processo de adaptação, a empresa vem realizando com os colaboradores palestras virtuais, com temas como alimentação saudável, saúde mental e os desafios de trabalhar em home office. Foi criado ainda um guia do teletrabalho. Andrigueto afirma que a empresa é flexível quanto ao ambiente doméstico e que se adapta a situações como a necessidade de um funcionário cuidar do filho em determinado horário do dia, o que é comum na quarentena, com as escolas fechadas.
De acordo com Renato Fonseca, gerente de pesquisa e competitividade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o home office vem crescendo em diversos setores da indústria com a pandemia. Pesquisa divulgada em maio mostrou que 77% das empresas tinham pelo menos 10% de funcionários em home office, entre 1.017 empresas ouvidas.
Fonseca afirma que será necessária uma adaptação da legislação trabalhista para regular essa nova realidade. Os contratos precisarão deixar clara a possibilidade do teletrabalho, em vez de um local fixo, entre outras coisas. “Vai ter que se definir questões sobre como ficam horas extras, como fica o registro do ponto. Se não, há o risco de isso caminhar para um grande número de processos judiciais”, afirma.
Adepto do home office, Fonseca opina que um cuidado necessário é evitar que o funcionário trabalhe o dia inteiro. “Ao contrário do que alguns pensam, no home office você acaba trabalhando mais do que no escritório”, afirma.
Analisando o mercado, ele prevê um impacto no setor hoteleiro e de viagens em razão dessa migração para o home office. “Uma viagem bate-volta para uma reunião hoje acaba tomando metade do dia, um dia inteiro...Com as reuniões virtuais isso muda, e a produtividade aumenta”, afirma.
A Johnson & Johnson também afirma que pretende evoluir no processo de ampliação do home office que já vinha sendo adotado pela empresa. Segundo Betina Lackner, diretora de RH no Brasil, grande parte dos funcionários da empresa está trabalhando de casa desde o dia 16 de março.
Foram implantadas em larga escala ferramentas digitais que garantiram a continuidade dos trabalhos de visitação a clientes e profissionais de saúde. Segundo Lackner, houve engajamento efetivo de todas as equipes. “Chegamos a ter reuniões virtuais com mais de mil colaboradores participando. Aceleramos a transformação digital que já estava em curso”, diz.
A Ambev é outra multinacional a projetar mudanças. De acordo com Camila Tabet, diretora de Desenvolvimento de Gente, foi feita uma pesquisa com os funcionários, e a grande maioria, cerca de 90%, acredita em uma solução que combine o trabalho remoto e presencial. A nova rotina será construída em conjunto com os trabalhadores, explica.
A empresa planeja uma reforma em seus locais de trabalho para destinar menos espaço para as estações de trabalho e mais para as áreas de interação. "No entanto, nesse período inicial do retorno, o uso de espaços como café e salas de reunião estará suspenso, para evitar aglomerações."
A Ambev, assim como a Johnson & Johnson, Topdesk e a LafargeHolcim, afirma que, além de conversar com os colaboradores para definir as melhores rotinas de trabalho para o futuro, acompanha também as manifestações das autoridades para que o retorno aos escritórios se dê de forma segura, seguindo os protocolos sanitários.