Um homem prevenido vale por dois. Essa velha máxima não integra, necessariamente, o dicionário econômico. Mas poderia. Levantamento do Centro de Estudos em Finanças da FGV/SP (FGVcef) e da Toluna Brasil Pesquisa de Marketing, divulgado com exclusividade à DINHEIRO, mapeou o impacto da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus na renda dos brasileiros e chegou a uma conclusão, no mínimo, inusitada: os brasileiros, historicamente conhecidos pela falta de planejamento financeiro, estão mais cautelosos. Isso porque a maioria dos participantes da pesquisa (64%) teve sua renda prejudicada pela Covid-19, mas o endividamento não cresceu na maior parte das famílias. Dos 806 respondentes quase metade (47,26%) disse não ter contraído dívidas. “Esse resultado veio melhor do que o esperado e demonstra que muita gente começou a se precaver e fazer um controle de despesa e contenção de gastos”, diz Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV Eaesp.
Segundo a pesquisadora, outro fator que ajudou a conter o endividamento foi a redução dos gastos com roupas, despesas eventuais e de oportunidade. O estudo revela, contudo, que a crise econômica gerada pela Covid-19 não atingiu a população de forma uniforme, e nem todos conseguiram se desviar das dívidas. Os trabalhadores com salário mensal menor que R$ 2.005 sentiram um peso maior das contas no orçamento doméstico – 15% disseram ter elevado em 70% ou mais suas dívidas. “Esse é o ponto de maior preocupação, já que percebemos que os brasileiros com salários menores e menos condições de criar reservas de emergência são os que mais sofrem com a situação econômica atual”, diz Claudia.
Entre os mais pobres, mostra a FGV, 15% perderam toda a renda. São profissionais autônomos, informais e os microempreendedores sem entrada de dinheiro. Outros 15% perderam entre 51% e 70% da renda. “Estamos em julho e não sabemos quando isso vai passar. O cenário de incerteza cria um alerta nas pessoas e não sabemos quando a renda vai retornar aos níveis pré-pademia”, afirma.
EDUCAÇÃO FINANCEIRA Para o professor de economia da UFRJ Carlos Callado a menor propensão a contrair dívidas se deu a duras penas. “Quando emergiu a nova classe média entraram na rota de consumo mais de 30 milhões de pessoas que não possuíam acesso ao crédito”, diz. Segundo ele, os bancos soltaram crédito e fisgaram um consumidor despreparado. “Esse foi o começo do processo que resultaria em mais de 62 milhões de brasileiros inadimplentes em 2018.”
Se o fantasma do endividamento não assombra tanto, o do cheque especial e do cartão de crédito ainda é bem presente. Entre os pesquisados, 66% usam o rotativo do cartão e 40% têm dívidas entre uma a cinco vezes a renda mensal. Para Cláudia, da FGV, o uso desse recurso é perverso por ter taxas de juros de 8% a 10% ao mês, enquanto a Selic, segue em 2,5% ao ano.
Para entender como se comportariam os entrevistados caso houvesse dinheiro sobrando na conta, a FGV perguntou o que eles fariam se tivessem R$ 10 mil disponíveis. Pagar dívidas seria a preferência de cerca de 20%. Outros 19% disseram que investiriram em ações, similar aos que aplicariam na Caderneta de Poupança (18,7%). Os Fundos de Renda Fixa e DI foram a opção de 15,8% dos ouvidos. Os títulos de CDBs, LCI e LCA tiveram 14,4% da preferência. Outras citações foram os fundos multimercado (6,6%), e fundos de previdência (5,0%). Com planos de sobra para o dinheiro, só falta agora que os brasileiros tenham R$ 10 mil sobrando na conta.