SÃO PAULO – Em meio ao agravamento da crise hídrica, dois anúncios foram feitos pelo Ministério de Minas e Energia e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) foram monitorados de perto pelo mercado.
O primeiro anúncio foi de uma nova bandeira para as tarifas de energia, chamada “escassez hídrica”, que irá vigorar até 30 de abril de 2022. A bandeira foi elevada para R$ 14,20 a cada 100 kwh e o aumento na conta de luz será de 6,79%.
Além disso, foi anunciado um programa voluntário de redução de demanda para o mercado. Quem economizar energia elétrica, a partir desta quarta (1) até 31 de dezembro, ganhará um crédito na conta de janeiro de 2022, que pode chegar a R$ 50 por cada parcela de 100 kWh reduzidos. Para tanto, o consumidor precisa consumir menos ao longo desse período de quatro meses e alcançar uma redução média de, no mínimo, 10% em relação ao ano passado. A medida vale para consumidores domésticos, comércio e indústria.
Segundo o Ministério e a Aneel, a estimativa de redução do consumo considerando 20% de adesão ao programa é de 1,41% (ou 0,9 gigawatt).
O Credit Suisse ressalta que, como referência, o Operador Nacional do Sistema (ONS) afirmou no ultimo relatório que 5,5 gigawatts deveriam ser adicionados ao sistema (seja de maior oferta ou menor demanda) para garantir níveis de reservatórios mais razoáveis.
“Assim, acreditamos que este programa seja útil, mas que medidas adicionais serão necessárias”, avaliam Carolina Carneiro e Rafael Nagano, analistas do Credit. Entre as medidas, estão mais despacho de térmicas e importação de energia.
Para eles, o programa de redução voluntária da demanda pode ter um impacto ligeiramente negativo para distribuidoras, já que os volumes devem desacelerar – apesar do impacto ser limitado considerando a possibilidade de um pedido de equilíbrio econômico e vendas potenciais de energia mercado à vista, restrito a 5% da demanda total. Por outro lado, o aumento da tarifa deve ajudar a cobrir o capital de giro para as distribuidoras.
O Morgan Stanley, por sua vez, avaliou as medidas anunciadas na véspera como positivas, acreditando que as iniciativas minimizam os riscos do setor, ou seja, de racionamento, destacando também os impactos relevantes notoriamente para o segmento de distribuição. “Do lado positivo, a nova bandeira tarifária evita principalmente a pressão de capital de giro. Do lado negativo, isso poderia implicar em volumes relativamente menores e inadimplência potencialmente maior (mantidas todas as condições iguais) no médio prazo”, avaliam os analistas.
Já para as geradoras, por sua vez, o Credit aponta que a menor demanda com as medidas de economia de energia devem piorar os impactos finais do GSF (medida de risco hídrico). Neste caso, a Cesp (CESP6) seria a mais impactada, embora os analistas acreditem que já esteja no preço, enquanto a Ômega Geração (OMGE3) não é impactada e a Engie (átivo=EGIE3]) tem impacto limitado. Já as transmissoras, como a Alupar (ALUP11) não são afetadas.
Mas os analistas do banco suíço apontam: “continuamos avaliando que monitorar a hidrologia é fundamental no cenário atual”.
O Morgan vê que os players do setor mais bem posicionados são Energisa (ENGI11, Equatorial EQTL3, CPFL (CPFE3) e Transmissão Paulista (TRPL4), todas com recomendação overweight (exposição acima da média do mercado) pelo banco.
As geradoras puras como Cesp, com recomendação overweight, e AES Brasil (AESB3), com recomendação underweight (exposição abaixo da média do mercado), foram as mais afetados pela crise hidrológica. Mas os analistas apontam que a Cesp é atrativa o suficiente para compensar tais riscos.
Cabe destacar ainda que, em análises sobre o tema, analistas recorrentemente destacam nomes como os geradores Omega (OMGE3), de energia eólica e Eneva (ENEV3), de energia térmica, como vencedores relativos nesse cenário de crise hídrica, dada a busca por novas fontes de energia (veja mais aqui). Por sinal, os papéis OMGE3 e ENEV3 registravam ganhos de cerca de 5% na sessão desta quarta-feira.
Os impactos vão além da renda variável. O Morgan Stanley elevou a sua projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2021 de 6,9% para 7,8% com a nova bandeira tarifária, em linha com outras casas que também já veem a inflação beirando os 8% neste ano
O BofA também espera agora que o salto da inflação oficial seja de 7,75% ao final de 2021, ante projeção anterior de alta de 7%. Para 2022, a expectativa é de que a inflação avance 4,0%, contra estimativa de 3,8% anteriormente.
Da mesma forma, a XP Investimentos agora projeta a inflação de 2021 em 7,7%, acima da estimativa anterior de 7,3%. E o Banco Santander avalia revisar sua projeção para 8%, já que a decisão do governo aumenta o “viés de alta” existente para o aumento dos preços no país (veja mais clicando aqui).
Cabe destacar ainda que a crise hídrica é apontada como um fator de risco para a economia, principalmente levando em conta as projeções para 2022.
“O que me deixa mais preocupado é para a frente, quarto trimestre, ano de 2022. O risco hídrico, se se concretizar, o PIB do ano que vem tem uma possibilidade de caminhar para zero”, afirmou o diretor de pesquisas para América Latina do BNP Paribas, Gustavo Arruda.
Leia mais: Economistas veem riscos se acumulando após PIB decepcionante no 2º tri e revisam projeções para atividade
“Não é nosso cenário base, mas tem que levar em consideração. Reservatórios em baixa não é algo que se resolva rápido. O que aprendemos é que o risco é pequeno, mas está aumentando”, afirmou. Ele calcula crescimento de cerca de 5% este ano e de 1,5% para 2022 sem considerar a questão hídrica.
Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, considera que, para cada 1% de queda no consumo de energia, o PIB perde 0,2 ponto percentual. Porém, avalia que, embora a crise hídrica seja um risco importante, a probabilidade de racionamento é de 10% em suas contas, o que ainda considera baixa. Os cálculos de Barbosa apontam para um crescimento do PIB de 5,7% este ano, caindo a 1,5% em 2022.
Além disso, em outro relatório, Caio Ribeiro, analista do Credit Suisse de mineração e siderurgia, destacou cenários para os setores caso a situação hidrológica no Brasil continue a se deteriorar. Ou seja, em caso de racionamento ou escassez de energia.
Na avaliação dele, as siderúrgicas brasileiras parecem ser as mais expostas a um cenário de escassez de energia ou racionamento, devido ao fato de que as receitas vêm principalmente das vendas domésticas e também porque os clientes industriais tendem a ter necessidades de eletricidade relativamente altas.
Embora haja maneiras delas compensarem os cortes de produção, a demanda por aço seria mais impactada negativamente versus a demanda por celulose, papel ou minério de ferro.
Por outro lado, Suzano (SUZB3) e Klabin (KLBN11) parecem ser as empresas mais resilientes nesse cenário, pois suas capacidades de autogeração são consideráveis, sendo que a Suzano é até exportadora líquida de energia elétrica) e a maior parte de suas receitas vem do exterior.
O Credit Suisse ainda destaca que, durante o racionamento de 2001, produtoras de aço foram afetadas de formas diferentes. Na ocasião, houve quedas de volumes de vendas da CSN (CSNA3) no terceiro trimestre de 22% frente o segundo trimestre de 2001. A Usiminas (USIM5) foi capaz de se adaptar, reduzindo atividades não essenciais e comprando excesso de eletricidade do mercado. O custo de produção da Usiminas subiu 6% no terceiro trimestre de 2001, na comparação anual, e os volumes de vendas se mantiveram relativamente estáveis, com queda de 0,5% na mesma comparação.
Já a Gerdau (GGBR4) foi capaz de redirecionar sua produção e cumprir com as exigências obrigatórias, cortando miniusinas e transferindo parte da produção para o sudeste do Brasil, onde não havia redução obrigatória do consumo de energia. Para a Gerdau, a produção bruta continuou estável.
O banco ressalta que, hoje, a CSN tem autossuficiência de 65% de energia, e a Gerdau tem uma dependência maior de compras de energia, com autossuficiência de cerca de 20%. Mas a abrangência geográfica pode ajudar a garantir flexibilidade operacional para modular o impacto. A Usiminas tem 24% de autossuficiência.
No setor de mineração, a Vale (VALE3) gera 68% de sua própria energia. Mas como a receita vem principalmente do exterior, o banco diz esperar que a demanda pelos produtos da Vale se mantenha. Além disso, 100% da compra de energia está atrelada a contratos de longo prazo.
(com informações da Reuters)